Reforma política ou formas de marcha à ré na política?
Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, mas cada um do bem particular.
(Frei Vicente do Salvador, História do Brasil, 1627)
Na política brasileira, o que já está ruim pode piorar. Não se trata de amargo pessimismo: é realismo frente à conjuntura – e de quem teima na esperança, diga-se. Ao grão: a Câmara dos Deputados apressa-se para votar a Emenda Constitucional (PEC) 352/2013, proposta pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP), aprovada em Comissão na Legislatura passada e adotada com entusiasmo por Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Presidente da Casa, ele já determinou que a PEC será apreciada em plenário até o fim de maio, impreterivelmente. A Comissão Especial que a analisa, na qual represento o PSOL, presidida por Rodrigo Maia (DEM/RJ) e que tem como relator Marcelo Castro (PMDB/PI) – escolhidos com o aval de Cunha – tem que concluir seus trabalhos nos primeiros dez dias do mesmo mês. Chegou a hora, portanto.
Na perspectiva da ‘lei justa’, que interesse às maiorias, essa celeridade é inimiga. O tema, por mais importante que seja, não ganhou as ruas na dimensão desejável (ainda que tenhamos a obrigação de nos esforçar ao máximo para que isso aconteça). Portanto, ao que tudo indica, teremos deliberações do Congresso Nacional – o Senado também toca sua pauta de “Reforma Política” – sem um ‘clamor popular’ que possa reduzir a influência dos controladores dos mandatos: as grandes corporações econômicas.
Não é demais lembrar que, na atual composição da Câmara, além de negros, mulheres e indígenas estarem sub-representados, a ‘bancada das empreiteiras’ reúne 214 deputados de 23 partidos, a dos financiados pelos bancos soma 197 de 16 legendas, os frigoríficos ‘apoiaram’ 162 parlamentares, as mineradoras ‘ajudaram’ 85 eleitos. E ainda há as numerosas Excelências defensoras do agronegócio, da bola, da bala, da cerveja, da mídia mercantil, do fundamentalismo… Quem financia manda: sete de cada dez deputados desta nova Legislatura receberam ‘doações’ (=investimentos) de empresas. Que mudanças substantivas nas regras do sistema político desejarão?
A “reforma”, assim, tende a não sê-lo, muito ao contrário: poderá reforçar os mecanismos do status quo, por ser debatida e votada exclusivamente por seus beneficiários. A ótica de qualquer possível alteração está focada no que o detentor do mandato (ou, no máximo, o seu partido) pode ganhar ou perder com isso. O cenário mais provável é que apenas se troquem acessórios da engrenagem que Raymundo Faoro já denunciava há mais de 50 anos, no seu clássico “Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro” (Porto Alegre: Ed. Global, 1979, 5ª edição): “o poder – a soberania nominalmente popular – tem donos que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior (…) A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva (ao povo) a escolha entre opções que ele não formulou”.
Na nossa experiência republicana, de muitas transações (pelo alto) nas transições, o povo só interferiu quando ocupou os espaços das praças, incomodando os palácios. Reconheçamos: tanto as manifestações de 2013 quanto as mais recentes, deste 2015, guardadas suas grandes diferenças e embocaduras ideológicas, não clamaram por propostas objetivas de mudança política (exceto o raso ‘Fora Dilma’ e ‘Fora PT’ de março e abril passados) – como as ‘Diretas Já’ do Brasil bonito de 1984, por exemplo. A difusa (e justa) indignação contra a corrupção não foi canalizada para nenhuma reivindicação de alteração do sistema político vigente. Talvez o desencanto predominante explique esse alheamento.
A crise que vivemos, com a piora dos indicadores econômicos e sociais, o continuado desacerto político do governo, o ‘envelhecimento’ precoce do governo Dilma II e uma insatisfação crescente e generalizada, não é uma crise institucional incendiada por focos de revolta popular. As estruturas do poder, ainda que questionadas e desgastadas, mantém sua rotina. Há também uma “corrida ao centro” que, cada vez mais, assemelha-se aos grandes partidos. A hegemonia do Capital, em sua etapa de financiamento e produção do imaginário da cidade, do consumo, está consolidada. Disputas eleitorais acirradas não significam, necessariamente, confronto de posições políticas.
Nesse contexto, a “Reforma Política” tecida no Congresso Nacional tem forte viés conservador – como, de resto, praticamente tudo o que tem saído de lá neste ano. A PEC Vaccarezza/Cunha, como tem acontecido com outras questões nacionais, se apropria do chamado ‘senso comum’, de negação da política, fazendo uma leitura interessada. E opera, a partir daí, para fortalecer o continuísmo de uma democracia meramente eletrônica, formal e banal, que é autoritária para os de baixo. Na linha do ‘mudar um pouco para continuar tudo como está’: há eleições, partidos e ‘política’ demais? Então vamos reduzir tudo isso, já.
O único contraponto expressivo, que é preciso valorizar, veio de estruturas políticas intermediárias da sociedade, em valoroso esforço mudancista real: a Iniciativa Popular de Lei por uma Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. A Coalizão Democrática que a propõe, liderada pela OAB Nacional e pela CNBB, envolve mais de 100 entidades representativas de diversos segmentos sociais populares. Para garantir sua tramitação, antes mesmo de se atingir o milhão e meio de assinaturas necessárias, a proposta, endossada por dezenas de deputado(a)s, tornou-se o PL 6.316/2013.
Quem tem hegemonia define a pauta. Portanto, também aqui nossa postura deve ser de resistência, de ‘redução de danos’ em relação a cada ponto da PEC 352, que se tornou uma espécie de ‘tese-guia’ da mal chamada “Reforma Política”. Junto com a mobilização para se chegar às assinaturas em favor da proposta da Reforma Política Democrática, até o início de maio, é preciso que nos armemos de argumentos para contrarrestar cada item da contra-reforma conservadora. Elenquemos alguns, na ordem do impacto que causarão no aprofundamento da dominação política ou da sua improvável, mas não impossível, reversão:
FINANCIAMENTO DE PARTIDOS E CAMPANHAS ELEITORAIS: a PEC quer constitucionalizar o financiamento empresarial, ao definir que “os partidos políticos poderão financiar as campanhas eleitorais com recursos privados, públicos ou com a combinação de ambos”. A “novidade”, que nada altera, é que “apenas os partidos poderão receber os recursos, vedadas as doações diretas para candidatos”. Legalizar plenamente esse mecanismo espúrio se dá justo quando a Lava-Jato escancara o esquema bilionário de propinas, já contabilizadas no ‘custeio’ de empreiteiras e até com doação legal (Caixa 1) servindo para lavagem de dinheiro de corrupção.
O STF, pela opinião da maioria de seus ministros, já se definiu pela inconstitucionalidade do procedimento (que só não se efetivou como decisão porque o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e engavetou a ADIn da OAB): “a conjugação de campanhas milionárias e financiamento privado tem produzido resultados desastrosos para a autenticidade do processo eleitoral e para a transparência das relações entre o Poder Público e os agentes econômicos”, resume o ministro Luís Roberto Barroso. Pessoa Jurídica não vota e não faz doações, defende interesses. Ao comentar o livro de Thomas Piketty, ‘O Capital no Século XXI’, Geoffrey Geuens, economista da Universidade de Liège, diz: “a finança tem rosto: cruzamos com eles há muito tempo nos corredores do poder!”. Até aqui, partidos como o PMDB, o PSDB e o DEM dizem pretender manter esses ‘rostos amigos’ bem próximos… É a economia colonizando a política. É a perpetuação da alta grana como grande (e espúrio) eleitor!
Defendemos o financiamento público, através do Fundo Democrático de Campanhas (gerido pelo TSE e supervisionado por um fórum de controle social), a contribuição de pessoas físicas, com o teto de R$ 700 por cidadã(o) e limite austero para o total de gastos, como prevê a proposta da Coalizão. O barateamento das campanhas seria imediato e muitos ralos da corrupção seriam fechados.
SISTEMA ELEITORAL: a PEC mantém o voto proporcional para deputados, mas cria ‘circunscrições’ em cada estado e mesmo em municípios maiores, com os candidatos disputando de quatro a sete cadeiras por região. Ninguém poderá conquistar votos no estado inteiro, como hoje. E há também uma ‘cláusula de desempenho individual’, exigindo-se votos nominais correspondentes a 10% do coeficiente eleitoral (número total de votos cotejado com o número de cadeiras a preencher) para se empossar o eleito. “Paroquializa-se” a campanha, afasta-se o eleitorado dos grandes temas nacionais (e mesmo mundiais), em nome de ‘reduzir gastos’ e ‘aproximar o eleitor do eleito’ – isso, por óbvio, é importante, mas nos (poucos) partidos orgânicos os vereadores cumprem mais diretamente esta função, e deputados e senadores têm vínculo permanente com a população. Agora ganham força propostas como a do Distritão, pela qual se elegem os candidatos apenas de acordo com a ordem de votação, eliminando-se o voto de legenda – o voto partidário e solidário, em suma – e estimulando-se o individualismo e as campanhas personalistas e caras: um ‘detritão’, a negação da Política como ação coletiva! Também cresce a ideia do ‘distrital misto’, com candidatos ‘paroquiais’ e ‘universais’.
Seja qual for o modelo, as minorias partidárias tendem a desaparecer. Estima-se que mais de 60% dos eleitores ‘perderiam’ seus votos, pois esses, com seus candidatos ‘desclassificados’, sequer somariam para a legenda. Ficaria instituído o voto inútil.
Defendemos o voto partidário em lista pré-ordenada, com alternância de gênero, e flexível, isto é, a ser definida pelo próprio eleitor. Como propõe criativamente a Coalização, a eleição proporcional seria em 2 turnos, aferindo-se no 1º o voto no partido e, calculadas as cadeiras a que fez jus, votando-se em algum nome apresentado na lista no 2º turno. Esta proposição torna transparente o atual mecanismo de escolha dos representantes legislativos, pouco claro aos eleitores, em geral: o primeiro efeito do voto é contabilizá-lo para o partido do candidato; o segundo efeito é classificar esse candidato na lista do seu partido.
COLIGAÇÕES: aqui há um aspecto interessante na PEC, definindo-se que os partidos que se coligarem devem formar uma Federação e atuar de acordo com seus princípios – coligados, portanto – também depois das eleições, durante os mandatos eventualmente conquistados. Evita-se, assim, essa junção oportunista e eleitoreira, verdadeiro ‘cruzamento de cavalo com vaca, que não dá leite nem puxa carroça’, como acontece com a quase totalidade das ‘coligações’ de contrários hoje em dia, que não dão ‘liga’ nenhuma.
Defendemos (e, em boa medida, já praticamos) o fim das coligações nas proporcionais, para que cada partido se apresente à população com a clareza do seu programa, ou que elas derivem da formação de uma Frente duradoura, que atue conjuntamente nas lutas sociais e nos parlamentos.
CLÁUSULAS DE BARREIRA: mais uma vez intenta-se reduzir à força o número de partidos, com a PEC estabelecendo percentuais progressivos de 3, 4 e 5%, em cada eleição subsequente à “reforma”, em pelo menos 1/3 dos estados, para que o partido tenha direito a Fundo Partidário, inserções em TV e rádio e funcionamento parlamentar. Só o patamar inicial, dos 3%, ‘ceifaria’ 17 partidos, entre eles, além do PSOL, o PCdoB, o PPS, o PV, o SDD e o PROS… Com a regra final de 5%, seriam atingidos o PDT, o DEM, o PRB e o PTB. Garantir-se-ia um ‘consórcio’ dos grandes, vários dos quais sofrem, como sabemos, de ‘nanismo moral’.
Defendemos a livre organização e funcionamento partidários, sem outras ‘cláusulas de contenção’ que o próprio desempenho eleitoral, isto é, a vontade soberana do eleitor. O STF já se manifestou pela inconstitucionalidade dessas restrições, por “ferir de morte o pluralismo político”: “a minoria de hoje tem que ter espaço para ser maioria amanhã (…) A ingovernabilidade decorre da falta de unidade político-ideológica dos partidos maiores” – assinalou a ministra Carmen Lúcia.
PARTIDOS E FILIAÇÕES: nesse quesito não se altera muito a regra atual, exigindo-se o apoiamento de eleitores correspondentes a um percentual dos votantes na última eleição para a criação de novos partidos. De acordo com a eleição de 2014, seriam necessárias 486.678 assinaturas conferidas de eleitore(a)s endossando a criação de um partido, ou o apoiamento de 26 deputado(a)s federais – evidência do caráter eminentemente parlamentar dos partidos políticos no Brasil. Também se reduz de um ano para seis meses o prazo de filiação com a finalidade de disputar eleições.
Defendemos a ideia de partido político como instituição livre, da cidadania, sem qualquer tutela estatal. E filiações por adesão consciente ao seu programa, e não para ‘ser candidato(a)’. A força e reconhecimento do partido deve depender exclusivamente de sua capacidade de conquistar adeptos e, nas disputas eleitorais, votos – em igualdade de condições com os demais.
COINCIDÊNCIA DAS ELEIÇÕES E DIREITO À REELEIÇÃO: na linha da ‘despolitização’ da sociedade, sempre usando o biombo hipócrita dos ‘gastos exorbitantes’, propõe-se a unificação de todas as eleições, de vereador a presidente da República, numa só data. Para tanto, prefeitos e vereadores eleitos nas municipais de 2016 o seriam para um ‘mandato tampão’ de dois anos, com direito exclusivo de tentar a reeleição – que não seria mais permitida para nenhum cargo do Executivo. Os mandatos continuariam sendo de 4 anos, exceto os de Senador (mantidos os 8 anos).
Defendemos os pleitos a cada dois anos, inclusive para que a temática municipal, tão importante, não seja ‘engolida’ pelas estaduais e sobretudo pela nacional, que naturalmente tende a ser mais polarizadora. O direito a uma reeleição para cargos Executivos, sendo mantido o mandato de quatro anos, parece-nos cabível, exigindo-se o afastamento do cargo (desincompatibilização) seis meses antes do pleito e aprofundando os controles sobre o uso da máquina pública. Proibir recandidatura também é razoável, mas com mandato ampliado para cinco anos. O que encarece eleição não é sua realização, mas os métodos vigentes de ‘compra de votos’ e marketing, com o vergonhoso derrame de dinheiro que hoje ocorre.
VOTO FACULTATIVO: a PEC estabelece o voto como direito voluntário do cidadão, não como dever. Vota quem quiser.
Defendemos o voto como direito e dever. Não se trata de uma questão ‘pétrea’ e é necessário um amadurecimento do debate sobre isso entre nós. Na realidade brasileira hoje, esse princípio liberal do voto voluntário poderá levar à despolitização e exclusão ainda maior dos segmentos mais desinformados. Setores, não por acaso, mais vulneráveis ao ‘pensamento único’, aquele que coloca a política como ‘atividade ‘técnica de especialistas’ e propaga, diuturnamente, a “privatização da vida pública”. A recusa ao voto deve ser respeitada, sobretudo quando expressa contestação ao sistema e/ou desobediência civil (pregação do voto nulo ou da abstenção eleitoral). ‘Domesticar’ essa rebeldia com o fim do voto obrigatório, na prática restringindo a participação política apenas aos mais interessados, não parece o melhor caminho.
Reconheçamos que, nas últimas três décadas, é no período eleitoral que a massa do povo mais se interessa pela busca de soluções para os graves problemas nacionais. Pela política, enfim. Ainda assim, não é irrelevante um dado prático: nas eleições nacionais de 2014, nada menos que 37,4% (cerca de 54 milhões de pessoas!) do eleitorado não escolheu qualquer candidato – assinalando o ‘em branco’, anulando o voto ou simplesmente não comparecendo (é fácil justificar e a multa é irrisória). Por outro ângulo, o voto facultativo pode ter forte componente individualista, de recusa ao gregário, à vida social. Individualismo extremo evocado, em outras situações, contra a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança ou contra a proibição do fumo em recintos fechados, por exemplo.
OUTROS ASSUNTOS, MUITOS: cada um desses temas tem diversos desdobramentos, e abre cogitações sobre outras propostas, não analisadas aqui (quase todas objeto de Projetos de Lei ou de Emendas Constitucionais): Parlamentarismo X Presidencialismo, revogabilidade dos mandatos, regime unicameral (extinção do Senado, para o qual também se propõe novos critérios para escolha dos suplentes), regulamentação facilitadora e maior frequência de plebiscitos e referendos, simplificação das exigências para Iniciativa Popular de Lei, fidelidade partidária programática (também para dirigentes), limite de mandatos parlamentares, cumprimento integral deles, fim de toda votação secreta no Parlamento, imunidade parlamentar apenas para opiniões e votos, proibição de veiculação de pesquisas eleitorais às vésperas dos pleitos, proibição de contratação de cabos eleitorais nas campanhas, redução das funções comissionadas nos gabinetes parlamentares, provimento de 70% delas por funcionários de carreira nos Executivos, concurso público para preenchimento de vagas nos Tribunais de Contas, novos critérios para escolha de membros do TSE e não cumulatividade de funções de seus membros com o STF, garantia de representação parlamentar mínima para índios, negros e mulheres, tanto de candidaturas avulsas e/ou de caráter nacional, e novos mecanismos de democracia participativa e direta.
Defendemos que a melhor forma para fazer uma mudança substantiva no nosso sistema político, a fim de torná-lo mais democrático, transparente e representativo, seria através de uma Assembleia Constituinte exclusiva e especificamente convocada para este fim, e com critérios de eleição distintos dos atuais, que impedem que as maiorias sociais se constituam em maiorias políticas. Reconhecemos que, no momento, esta proposta não tem condições de se viabilizar.
Estamos diante de mais um tremendo desafio: popularizar o debate sobre a Reforma Política necessária. Desafio tão maior quanto é menor o prazo que a direção do Parlamento conservador impôs para isso: um mês! Nossa tradição cultural e política não ajuda, como lembra o jurista Fábio Konder Comparato no artigo ‘Sobre a mudança do regime político no Brasil’: “A estrutura de poder, própria do capitalismo escravista aqui instalado durante quase quatro séculos, marcou fundamente nossa mentalidade e nossos costumes políticos. Ela forjou, sobretudo no seio da multidão dos pobres de todo gênero – os nascidos ‘para mandados e não para mandar’, conforme a saborosa expressão camoniana – um espírito de submissão incompatível com a vivência democrática” (Brasília: ‘A OAB e a Reforma Política Democrática’, 2014).
Ao fim, implantar uma real Reforma Política vai além da ética na política (no geral esta é “fecundada” por valores da vida privada, individual): tem a ver com a premente ética da política, que não depende apenas das virtudes pessoais dos que exercem funções políticas. É a ética da política que garante a qualidade das instituições republicanas na possibilitação dos interesses das maiorias, com transparência e sob controle popular. Trata-se de democratizar a democracia e de socializar os meios de governar.
Há, entretanto, um crescimento da consciência política e organização populares. O Plebiscito Popular, na Semana da Pátria, de 2014, angariou mais de oito milhões de votos em defesa de uma Constituinte soberana, para a Reforma Política Cidadã. Isso pode nos garantir algumas vitórias, ainda que pontuais, ao menos evitando retrocessos. Afinal, “muita diferença faz/ entre lutar com as mãos/ e abandoná-las para trás” (João Cabral de Mello Neto, ‘Morte e Vida Severina’).
*Chico Alencar é deputado federal, líder da Bancada do PSOL na Câmara dos Deputados e titular da Comissão Especial da Reforma Política