Por novas eleições diretas e pela reorganização da esquerda
Reunida no último fim de semana (10), em São Paulo, a Executiva Nacional do PSOL aprovou nota política que dá centralidade à análise do governo Temer e, principalmente, à convocação da militância para a luta por novas eleições diretas e contra a retirada de direitos sociais.
O texto, de nome “Nossa tarefa é resistir ao golpe contra nossos direitos e ajudar a reorganizar a esquerda no Brasil”, também traça um panorama dos novos movimentos sociais e afirmando que o PSOL se propõe a ser um porto para os segmentos políticos dispostos a lutar e “reconstruir no dia-a-dia das lutas e eleições um projeto de esquerda”.
Participaram da reunião, além dos membros da Executiva Nacional do PSOL, o deputado e líder do partido na Câmara, Ivan Valente (SP) e diversos militantes e dirigentes regionais e nacionais.
Leia a resolução
RESOLUÇÃO POLÍTICA DA EXECUTIVA NACIONAL DO PSOL AMPLIADA
DIA 10 DE DEZEMBRO DE 2016 – SÃO PAULO
Nossa tarefa é resistir ao golpe contra nossos direitos
e ajudar a reorganizar a esquerda no Brasil
Acertadamente, o PSOL se opôs ao golpe institucional que aconteceu em 2016. Naquela oportunidade já estava claro que não se tratava apenas de uma simples troca de comando partidário no Executivo Federal, mas que se avizinhava uma reorganização das classes dominantes visando criar melhores condições para superar a crise profunda na economia e assegurar um novo ciclo expansivo de valorização do capital.
Mas a queda do governo Dilma foi uma combinação explosiva de vários elementos. Os efeitos da crise econômica minaram o pacto de classes do lulismo, que se baseava na manutenção de uma política macroeconômica conservadora combinada com concessões aos “de baixo” com alguma ampliação da políticas sociais e elevação da renda dos mais pobres. A crise esgotou a margem de manobra das elites para dividir parte do fundo público com os mais pobres, mesmo que por meio de medidas compensatórias.
Ao ter que fazer escolhas, o governo Dilma manteve os pressupostos conservadores, aumentou o grau de concessão ao agronegócio, aos monopólios e especialmente ao sistema financeiro, e foi perdendo a capacidade de manter conquistas sociais, aprofundando a recessão. Perdeu apoio dos dois lados. A elite não enxergava mais seu governo como capaz de tomar as “medidas amargas” necessárias para superar a crise sob a ótica dos de cima e os de baixo sofriam as agruras dos remédios aplicados na economia, tornando-se mais sensíveis às ações contra o governo.
Ao mesmo tempo, a operação Lava Jato ganhou centralidade no projeto de recomposição política das forças conservadoras. Ao lançar luz sobre os esquemas de governabilidade e de financiamento das campanhas eleitorais, frações da burguesia notaram nela uma oportunidade para desmontar a credibilidade social do PT e de suas principais lideranças, justificando perante a população uma ruptura institucional, mesmo que a maioria dos políticos envolvidos nos esquemas de corrupção pertençam a partidos conservadores.
Apesar da Lava Jato possuir uma tendência política predominantemente conservadora (com prioridade no desmonte de esquemas vinculados ao PT e condenação de Lula que inviabilize sua candidatura nas eleições presidenciais de 2018) e cometer contínuos excessos, nem tudo está sob controle das elites, visto que esta é composta de várias facções. A presença ostensiva de personalidades dos grandes partidos no esquema de corrupção e a divulgação destes fatos pela mídia faz com que figuras fiéis ao projeto de recomposição conservadora sejam descartadas, tudo em nome da manutenção da estabilidade econômica, como demonstram os afastamentos de Geddel Vieira Lima e Romero Jucá.
A opção por um governo liderado por Temer e o PMDB foi uma medida de risco. A cada crise ética que aparece em seu governo, seja graças à Lava Jato ou outros esquemas, a elite cobra mais fidelidade para sustentá-lo. E aqui reside uma aparente contradição: um governo frágil, que toda semana perde um ministro por escândalos éticos, tem conseguido implementar uma agenda radicalmente conservadora, ainda mais agressiva que aquela levada a cabo por Dilma e Joaquim Levy, contando para isso com total apoio da mídia e do capital para sua agenda econômica.
Nem a queda e prisão de Eduardo Cunha atrapalhou a votação folgada de medidas estruturantes contra os direitos sociais no Congresso Nacional. Cada vez que o governo sofre um revés interno, o capital exige que reformas econômicas sejam anunciadas e rapidamente aprovadas. Na semana em que caiu Geddel Vieira Lima, o governo consegue aprovar o primeiro turno a PEC 55; no dia em que Renan é afastado pelo STF e Eliseu Padilha tem seus bens bloqueados, a reforma da previdência é enviada para o Congresso Nacional.
Não está descartado que, após aprovar o pacote de maldades que motivaram o golpe institucional, na próxima crise institucional, o governo Temer possa ser seu fim antecipado e a elite eleja por via indireta um operador mais confiável e que mantenha intacta esta recomposição conservadora. A divulgação dos conteúdos da delação premiada dos executivos da Odebrecht e a revelação do envolvimento direto de Temer e toda a cúpula de PMDB e PSDB nos esquemas criminosos da empresa amplia a instabilidade e pode acelerar esse processo de mudança de governo dentro do escopo conservador.
É importante notar que 2016, além de um golpe institucional, também apresenta dois componentes políticos relevantes para nossa análise. Fruto da vitória política e eleitoral das forças conservadoras deve-se registrar o crescimento da audiência para saídas de direita em camadas da população. As próximas eleições devem inaugurar no Brasil um fenômeno já vivenciado pela Europa, ou seja, o aparecimento de forças políticas claramente de extrema-direita com influência de massas.
Por isso, a esquerda socialista e independente não disputará os rumos da crise em curso sendo conivente ou complacente com as mobilizações conservadoras, mesmo que delas possam estar participando trabalhadores cujo nível de consciência nossas propostas não conseguem alcançar. As bandeiras, em alguns momentos, podem até parecer coincidir, mas a perspectiva das manifestações (como a última, no dia 4 de dezembro) é de reforço do viés reacionário na sociedade, fortalecimento do Estado Penal máximo e negação da política.
É notório que o PT perdeu capacidade de aglutinação dos setores progressistas. O desastre eleitoral e a perda de credibilidade ética, aliada à incerteza sobre seu futuro, tem provocado crescente tensão na militância do movimento social que tinha este partido como referência política. Os desdobramentos desta crise ainda são incertos, dependendo de fatores internos (concessões do campo majoritário para setores que questionam seus rumos à esquerda) e externos (condenação de Lula pela Lava Jato e impedimento de sua candidatura, além do possível envolvimento de figuras públicas do partido na lista da Odebrecht). O mais surpreendente é que a energia socialista há muito se esgotou no PT, como ficou claro na postura da maioria da bancada que apoiou a manobra para anistiar envolvidos com caixa dois na Câmara dos Deputados, apesar da resistência de 26 parlamentares que se manifestaram publicamente contra a medida.
Este ano foi marcado também pela consolidação no cenário político da esquerda de novos atores sociais. O surgimento de novas lutas, sobretudo nas grandes cidades, novos ativismos e formas de intervenção política, expressam também um novo momento para a esquerda social. Movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), as ocupações de escolas em todo o país, o fortalecimento do movimento de mulheres contra o machismo e a violência, o crescimento do movimento negro em seus diversos formatos, os novos movimentos de contracultura e o ativismo digital de diversos coletivos, marcam o início de um novo ciclo na política brasileira. Isso não significa, é claro, que as formas “tradicionais” de organização política, como sindicatos, organizações de bairro ou entidades estudantis estão superadas. O surgimento da Frente Povo Sem Medo, aglutinando setores críticos ao alinhamento automático ao PT, anteriormente majoritário, é um saldo que deve ser valorizado.
Assim, tornou-se inevitável que se trace um paralelo entre a resistência aos ataques aos direitos sociais e trabalhistas e o debate sobre a reorganização da esquerda no “pós-PT”. Por isso, para o PSOL e para todos os que estão dispostos a reconquistar um protagonismo de esquerda em nosso país, se apresentam tarefas de múltiplas dimensões políticas e organizativas.
A primeira dimensão é defensiva. A prioridade é fortalecer a organização da resistência aos ataques que as classes trabalhadoras e demais excluídos estão sofrendo. Para essa tarefa será necessário atuar em frente única com todos que se disponham a enfrentar as medidas de ajuste fiscal e retirada de direitos. Porém, será necessário que nossa militância direcione suas energias para estreitar os laços políticos e organizativos com os novos movimentos sociais já enumerados nesta resolução. Para isso é fundamental auxiliar no enraizamento da Frente Povo Sem Medo, atraindo para seu seio todo movimento vivo, novo ou tradicional.
A segunda dimensão é partidária. A legislação eleitoral criou enormes dificuldades para estruturação de novos partidos de esquerda e está formatada para impedir o surgimento de alternativas eleitorais de nosso campo. A recente aprovação de cláusula de barreira no Senado Federal demonstra que os ataques ainda não estão conclusos. Assim, nosso partido, em primeiro lugar, deve ser um porto generoso para todos os segmentos dispostos a reconstruir no dia-a-dia das lutas e nas eleições um projeto de esquerda, radicalmente democrático e com independência de classe. Garantir, pelo menos, a filiação democrática de todos e todas que se enquadrarem neste perfil deve ser um compromisso desde já assumido pelo partido.
O acúmulo conseguido na sua primeira década de existência e a postura correta diante do golpe institucional credenciou nosso partido como um novo polo de aglutinação da esquerda brasileira. Devemos nos propor a ser um porto seguro e democrático a todos os que querem reconstruir a esquerda no país por meio de um projeto que faça um ajuste de contas com os erros, reconheça avanços e aponte mudanças de práticas e de programa para a nova conjuntura que atravessaremos no país.
A terceira dimensão é programática, e diz respeito à necessidade de apresentarmos um programa de mudanças democrático, popular e socialista. O desafio é apresentar uma plataforma e uma candidatura presidencial que dialoguem com os excluídos de nosso país, aqueles que serão os mais atingidos pela estratégia da burguesia para superar da crise. Um programa que incorpore as conquistas democráticas e sociais do último período, que seja radical no enfrentamento da política econômica conservadora vigente, que rompa com a governabilidade baseada na troca de cargos com frações das classes dominantes, que combata a corrupção e seus partidos e que se proponha a reinventar formas de participação direta dos cidadãos nas decisões e de controle social das ações de governo.
Diante do agravamento da crise política do governo Temer, ganha prioridade a promoção e apoio partidário a todas as formas de resistência aos ataques e participação ativa nas manifestações que exijam a saída imediata de Temer da presidência. Devemos combinar a mobilização do “Fora Temer” com a convocação de eleições diretas já.
O partido enxerga com simpatia a articulação de um amplo Plebiscito Popular, unitariamente construído entre todos os movimentos sociais e organizações partidárias combativas, entidades progressistas e democráticos, visando uma saída popular para essa crise, capaz também de polarizar a sociedade contra qualquer ideia de saídas reacionárias ou autoritárias.
Estas são nossas tarefas. Não serão e não deverão contar para sua execução apenas com as forças atuais que temos no seio do partido. Neste projeto de reorganização da esquerda cabem muitos lutadores e muitas lutadoras que ainda não pertencem ao PSOL. Aceitar a nossa incompletude é o primeiro passo para que possamos cumprir plenamente a tarefa de ajudar a reaglutinar a esquerda e reencantar os que não possuem emprego, os que não possuem terra para produzir, os que lutam por moradia, os que ocupam escolas, as que lutam contra a violência em todos os seus formatos, ou seja, os que têm tudo a ganhar com a transformação social em nosso país.
Executiva Nacional do PSOL
São Paulo, 10 de dezembro de 2016