O Capital de Karl Marx: quem mais o critica são os que nunca leram

Em 2017, faz 150 anos da publicação de “O Capital – Crítica à Economia Política” de Karl Heinrich Marx (1818-1883). A Fundação Lauro Campos do PSOL, ciosa pelos fatos do mundo político, gentilmente convidou-me para escrever sobre. Concentrar-me-ei no conceito de “capital” e destaco que há neste pequeno artigo um misto de saberes de um militante socialista com alguém que em Marx se referencia academicamente, sem mitificá-lo.

Enfatizo, inicialmente, que, em vida, Marx conseguiu publicar somente o volume I (setembro de 1867) e em quarta redação. As dificuldades eram de toda ordem: doenças que periodicamente o tiravam do combate; dedicação ao papel militante e organizador da luta dos trabalhadores (Marx foi secretário da I Internacional – Associação Internacional dos Trabalhadores); perseguições políticas e inclusive dificuldades de subsistência. Por essas e outras razões, o projeto de O Capital ficou inacabado e coube à Friedrich Engels a publicação dos demais volumes, que Marx havia deixado encaminhado.

Quem folheia o livro, não imagina o tamanho do empreendimento do autor, refiro-me ao ineditismo da construção científica, suas descobertas, seu desprendimento e poder crítico com relação às ideias de seu tempo, sua disciplina, seu método e sua capacidade cognitiva.

O que notabilizou Marx em O Capital foi sua genial competência para desvendar o segredo, o lado oculto da realidade social na qual estava inserido. É impossível falar de “capital” sem reconhecer que a interpretação de Marx está nele contida, ele decodificou o capital propriamente dito, eis sua atualidade.

Entendeu sua gênese, suas leis de funcionamento, sua capacidade destruidora e, dialeticamente, criativa. Ao localizar em o capital a sua forma afirmativa tendente à expansão também identificou nele próprio a possibilidade real de sua negação. O épico e revolucionário marxiano está na capacidade de engendrar metodologicamente os fundamentos estruturais do capital, inaugurar conceitos relacionados entre si. Conceitos que isoladamente ajudam no entendimento das coisas, como mais valia, por exemplo, mas que sem a conexão com a totalidade perdem força.

O capital é anterior ao capitalismo e nas experiências que já conhecemos, é também pós-capitalista. Mészáros nos ensina que “[…] o alvo da transformação socialista é superar o poder do capital. O capitalismo é um objetivo relativamente fácil nesse empreendimento, pois você pode, num certo sentido, abolir o capitalismo por meio do levante revolucionário […].

Ao fazê-lo você colocou um fim no capitalismo, mas nem sequer tocou no poder do capital.” (1995). O capital nasce por dentro do modo de produção anterior, a partir de uma acumulação originária, primitiva, que divorcia o produtor individual e disperso, dos meios de produção, destituindo-o de sua propriedade. Destrói a propriedade atomizada de muitos e consagra a propriedade gigantesca de poucos, em suma, esta passagem que acontece por meio da expropriação da grande massa do povo por métodos violentos, vis e torpes é a pré-história do capital.

Para Marx “A estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para a formação daquela.” (2001). Segundo Gorender “[…] é uma acumulação de capital feita por meios não-capitalistas, feita ainda dentro de sociedades pré-capitalistas […]. Tal acumulação originária serviu como ponto de partida para o surgimento do capitalismo.” (1997). Deste ponto, o capital impõe inerentemente a si uma dinâmica enquanto valor-que-se-valoriza e não há fuga sem ruptura com ele mesmo.

No capítulo VIII, do Livro I, Volume 1, Marx define: “[…] o capital tem seu próprio impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte constante, com os meios de produção, a maior quantidade possível de trabalho excedente.” (2001). Compreender a distinção entre capital, capitalismo e capitalista é primordial. A confusão que se faz entorpece o debate da estratégia sobre transição para o pós-capitalismo.

A obra que comemoramos, mesmo que aberta, contém uma vasta pesquisa, descobertas imperiosas e articuladas entre si. No dizer de Engels “[…] não houve um campo sequer que Marx deixasse de submeter à pesquisa – e esses campos foram muitos, e não se limitou a tocar de passagem em qualquer um deles […].” (1976).

É fato que a partir de O Capital, dada sua profundidade e capacidade explicativa, a história da humanidade cindiu-se em antes e depois de sua publicação. Por sua força intrínseca espalhou-se por todas as partes do mundo, bibliotecas, línguas, partidos políticos, universidades e círculos intelectuais, sejam de esquerda ou de direita.

As ideias de Marx por estarem assentadas em seu método revolucionário de interpretação da realidade (materialismo histórico e dialético) produziram força social e política influenciando a história da humanidade. Cônscios do advento, Marx e Engels desferiram: “Os filósofos até agora limitaram-se a interpretar o mundo; de agora em diante é preciso, pelo contrário, transformá-lo.” (apud Marx, 1985). Sabiam que haviam produzido uma ferramenta que além de interpretativa trazia consigo um potencial transformador. O livro foi escrito com o propósito de desconstruir e superar o capital, no entanto, mesmo em meio à sua crise profunda atual ele persiste e nos desafia.

Afrânio Boppré

Referências Bibliográficas

  1. GORENDER, Jacob. A atualidade de O Capital, de Karl Marx. In: SECCO, Lincoln e SANTIAGO, Carlos (Org.). UM OLHAR QUE PERSISTE. Ensaios Críticos sobre o Capitalismo e Socialismo. Editora Anita Garibaldi, São Paulo – SP, 1997. (17-28).
  2. MARX, Karl. O CAPITAL. Crítica da Economia Política. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro – RJ, 2001. (pág. 828).
  3. ENGELS, Friedrich. Discurso diante da sepultura de Marx. In: Karl Marx e Friedrich Engels Textos 2. Editora Alfa-Omega LTDA. São Paulo – SP, 1976. (213 e 214).
  4. MARX, Karl. Capítulo VI Inédito de O CAPITAL: Resultados do Processo de Produção Imediata. EDITORA MORAES LTDA. São Paulo – SP, 1985. (pág. 10)
  5. MARX, Karl. O CAPITAL. Crítica da Economia Política. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro – RJ, 2001. (pág. 271).
  6. MÉSZÁROS, István. O MARXISMO HOJE: ENTREVISTA COM ISTVÁM MÉSZÁROS. In: CRÍTICA MARXISTA. Vol. 1, n. 2. EDITORA BRASILIENSE S.A.. São Paulo – SP, 1995. (129 – 137).

Publicado originalmente na Revista Socialismo e Liberdade.

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