A Casa Grande ainda precisa ser derrubada!

A Casa Grande ainda precisa ser derrubada! Desde o final da década de 70 que o movimento negro brasileiro revindica o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, data que remonta a morte do líder Zumbi do Quilombo dos Palmares, símbolo de resistência contra o regime escravocrata. Essa foi uma forma encontrada para fazer um contraponto ao 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea que instituiu o fim da escravidão, mas que para o movimento simbolizou uma falsa abolição, ou uma abolição inconclusa, pois as negras e negros foram entregues a sua própria sorte.

A chegada de mais um Dia da Consciência Negra nos enche de orgulho, pois somos herdeiras e herdeiros de guerreiras e guerreiros que dedicaram suas vidas na luta por liberdade. O que nos encoraja a seguir firme na nossa caminhada em busca de uma sociedade mais justa, por outro lado nos faz refletir profundamente sobre os ataques brutais que continuamos sofrendo.

O projeto que está em curso em nosso país impõe sacrifícios homéricos para o andar de baixo da pirâmide social brasileira. Sabemos que a democracia não chegou plenamente nas periferias, que o racismo ainda determina quem são os cidadãos de bem e os suspeitos padrões, quem são os protegido e os que são assassinados pelo Estado, quem sãos as(os) adolescentes com direitos e que são as(os) menores infratores.

Os ataques à escola pública como o projeto de Escola Sem Partido, a reforma do ensino médio para torná-lo tecnicista, retirando disciplinas que provocam o pensamento crítico e o congelamento dos gastos por 20 anos são uma expressão bem acabada do projeto da elite nacional que não tolera o mínimo conquistado no último período que é, por exemplo, a educação como um direito de todos e um dever do Estado. Sem contar o processo sistemático de sucateamento dos equipamentos públicos e completa desvalorização dos profissionais que já estão sofrendo perdas salariais há anos.

Ter escolas públicas espalhas pelos quatro cantos do país, principalmente nas periferias, formando jovens com o mínimo de pensamento crítico é uma armadilha para o sistema. O mínimo de inclusão que permitiu que jovens negros e periféricos entrassem na universidade e se formassem professores produziu uma geração de profissionais de educação que retornaram para as suas comunidades e deram um novo sentido para a educação, estreitou a relação professor, aluno, contribuiu para formação de uma geração de estudantes críticos que alinhados com as novas tecnologias e a era da informação protagonizaram importantes mobilizações populares como: contra o aumento da tarifa em junho de 2013, contra a reorganização escolar em 2015 e hoje há diversas escolas ocupadas contras as reformas no ensino.

É nítido também perceber como cresceu a identidade étnica, o aumento significativo de jovens assumindo sua negritude através da afirmação do seu cabelo, da sua estética. Com o avanço dos núcleos culturais de periferia o termo “periferia” ganha novo contorno, ser periférico torna-se sinônimo de identidade cultual, territorial, social e política. Pautas como o feminismo, identidade de gênero e orientação sexual, ganham mais espaço. Dentro de um país aristocrático, extremante conservador, concentrador de riqueza e patriarcal como o nosso, que tem como base estrutural o racismo e o machismo, o avanço da discussão racial e de gênero é uma ameaça a estrutura de poder vigente.

Não é por acaso,  que a Lei 10.639 e 11 645 que institui a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena não consegue avançar, que além das dificuldades estruturais do ensino, também enfrenta as barreiras e resistências ideológicas que perpassa desde o papel da grande mídia até o fundamentalismo religioso que criminaliza as manifestações tradicionais e religiosas de matriz africana, produzindo intolerância e perseguições e tudo isso chega na formação do professores e na sala de aula.

Os ataques conservadores atuais não se restringem ao campo econômico, com perdas de direitos e perda da capacidade de consumo dos mais pobres, não se restringem ao campo social, onde também estamos assistindo um avanço brutal da faxina étnica do nosso povo, mas o ataque também está no campo ideológico, na batalha das ideias, das narrativas, dos valores sociais e humanitários, por isso, nunca foi tão necessário falar de consciência negra,  de resistência negra, de identidade negra.

O movimento negro brasileiro conseguiu estabelecer o mito da democracia racial, conseguiu abrir fissuras no sistema com a implementação de políticas de cotas nas universidades e serviço publico, medidas que inclusive estão ameaçadas e o racismo nunca esteve tão escancarado como hoje. A construção de uma narrativa de resistência, um processo sistemático de conscientização e formação social, denunciar as armadilhas da meritocracia e das saídas individua são tarefas urgentes que devem se somar a luta de sobrevivência do nosso povo, quanto menos democracia, quantos menos escola pública critica e de qualidade, quanto menos distribuição de riqueza, sobra repressão, violência e ação genocida do Estado. Continuemos resistindo! A Casa Grande ainda precisa ser derrubada!

Joselício Júnior (Juninho)

Presidente do PSOL/SP

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